a menina do bloco

5/23/2007

inverno

Verônica sabia dos perigos e por isso hesitou.
Olhou pela janela, mas o medo de cair não a permitiu ver todo o necessário.
Recuou. O parapeito lhe dava vertigem.
Sentiu o frio forte que entrava pela janela
embora o sol lá fora lhe parecesse tão quente.
Pegou o casaco mas não vestiu.
Casaco na mão, enfrentou o frio com a coragem de
quem desliga o telefone ao ouvir a voz amada na linha,
como quem sonha acordada para não esquecer.
E ali, queimou-se com o frio como sempre, ali dançou coreografias ensaiadas e recitou os versos que decorara na infância.
Seus sonhos já não eram os mesmos, mas o frio sim. Os olhos também, o cabelo, o corpo e o coração...ah esse era mesmo o mesmo.
Sonhou com o improvável e sentiu o frio quente. Era noite e o sol já havia se posto. Ela ainda na janela, longe do parapeito, claro, olhava o horizonte que não se mostrava, mas que se sabia existente.
Prendeu a respiração até quanto fosse possível, ela queria se testar. Sem fôlego, caiu no chão e bebeu uma cerveja, duas, três, quatro, e perdeu as contas.
Nada mais parecia ser o mesmo e ela se sentia outra. Mas o frio, que ela tanto amava, continuava ali, e ele não estava embriagado, o que ela sentia era seu próprio hálito, o mesmo dos dias outrora desiguais.
E ela então se permitiu lembrar: a mesma embriagues, hálitos embriagados de dias outros que não esses. Dias quentes, embora não tórridos.
E da lembrança sentiu-se plena, plenamente vazia.
Adormeceu e ao amanhecer já não fazia mais frio.
Mas o sol também já não parecia o mesmo.

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