a menina do bloco

6/25/2007

novidade

A vida se parecia com aquele sonho
E o dia tinha um certo sabor de coisa gasta,
mas ela se divertia
e apertava os olhos pra rir.
E a barriga apertava sozinha
enquanto ela sonhava que o sol chegasse mais perto
pra ver de perto tanto amarelo!
e pra depois ver estrelinhas na parede branca
na vida branca
que ela agora coloria.
mas eis que uma só cor se destacou
e não era o amarelo
mas as estrelinhas apareceram
e ela, depois, adormeceu
No sonho, os móveis antigos
reapareceram.
sem poeira.

6/21/2007

manhê...

-Manhê, se a gente dorme descalço
como é que não fica gripado no sonho?


-Manhê, se a gente sente apertado
porque não desabotoa o coração?


-Manhê, se a gente sonha acordado
pra quê que precisa dormir?

legal?

A menina era linda e horrorosa ao mesmo tempo.
Sua vida era doce com uma pitada de sal.
(dizem que em culinária é essencial)
De noite, o olhar era sempre fatal.
De dia, tinha ar intelectual.
Ela achava tudo normal.
Suas amigas viam
nisso um mal
Ela achava
Legal.
Legal
Não achei
Só vi o mal
que ela me fez:
Sendo assim tão normal,
Não pensava em nada genial,
Não teve inspiração de algo especial
(dizem que em poesia isso é essencial)
Então me fez escrever esse poema sem sal.
Ao mesmo tempo verdade e mentira era o poema.

nossa senhora da boa hora

Todo texto. Um parto. As idéias soltas na cabeça ou a cabeça perdida nas idéias.
O tempo que congela e os barulhos que não dizem nada.
A necessidade. Uma vontade minha, mas não interna. Uma voz que manda, mas não cobra.
E a respiração se perde no ritmo da ignorância de dizer.
E de repente um time de palavras que insistem em me ocorrer. As mesmas ordenações de letras e suas variações que se acham indispensáveis na concatenação de idéias. O tempo passa, mas elas persistem. Se a vida pára, elas esperam na fila. Não desistem. Tampouco a inversão de idéias já ditas ou os antônimos das palavras cunhadas linhas acima são fáceis de vencer.
E o jogo de palavras? É estilo ou uma opção de quem tem nada a dizer? Do pontapé inicial soltam-se umas linhas a mais, mas o rodapé teima em não dar pé. Quando penso em dar no pé uma amiga dá a dica, e sem perceber a rima fica, que titica. A dica da amiga sobre mesmos inícios e finais é genial mas é da amiga a dica; seria um plágio fraternal?
É preciso pensar mas os olhos ardem e as contrações aumentam, os contra-sensos, as controvérsias...
–E a dilatação, como está?
–Acho melhor optarmos por uma cesariana. Um fórceps porque tá tudo de cabeça pra baixo. Tem certeza que quer ter o filho?
– Tenho não! Não dá pra voltar tudo e fingir que nada aconteceu?
Todo o texto. Um parto. Um plágio, um pare!

6/18/2007

canções assim

música alegre com letra triste.

dias assim

"eu pensei fugir de mim
mas aonde eu ia eu tava
quanto mais eu corria
mais pra perto eu chegava"

(juraildes da cruz)

6/14/2007

devoção

Ela colocou o santo de cabeça pra baixo
E lembrou que não queria casar

Ela achava o velhinho do papa um fofo
E tomava pílula do dia seguinte quase todo mês

Ela se apegou a santo expedito
E lembrou que não acreditava no impossível

Ela falava vai com deus todas as vezes
E queria mesmo era dizer eu te amo

Ela usava um escapulário no pescoço
E deixou de usar quando saiu de moda

Ela era católica praticante

E adorava as festas dos casamentos

Ela entregava o futuro a Deus
E, uma vez por semana, não deixava de fazer uma “fezinha”

Ela acreditava na justiça divina
E levou cinco anos para se formar em direito

Ela fez jejum na quaresma
E perdeu os 3 quilinhos que estavam sobrando

Ela sempre agradecia a Deus as refeições
E à cozinheira, mais ainda

Ela rezava pra ir pro Céu...
Mas na verdade, não queria morrer nunca!

6/13/2007

Nada como um dia (logo) após o outro...

Ela é uma mulher moderna: inteligente, independente e segura.
Tanto que no dia dos namorados resolveu dar a si mesma um presente.
Na livraria mais próxima, entre muitos muçulmanos, executivos bem sucedidos, monges, cristos inteligentes, finalmente achou o livro que tanto queria: “Observações sobre a tortura”, de Pietro Verri!
– Esse Santo Antônio que me aguarde!


Na dedicatória escreveu 21 vezes: eu me amo, eu me amo, eu me amo, eu me amo...

6/04/2007

garatujas finais

Depois de pensar bastante na última palavra,
ela tomou coragem e colocou um ponto final.
Depois ficou se perguntando:
estaria pontuando apenas mais um verso
ou a poesia realmente acabara ali?

6/03/2007

...

Ser assim como se é,
quem sabe ser ?
Eu que não sei, vou tentando:
Ora de um jeito, ora sem jeito
Sem esquecer que de tudo tem em mim um pouco
Um pouco de asco, outro de luz
também uns tantos abraços, dos que me têm
ou dos que já me perderam, mas que são em mim
um pouco do que ainda não fui
(e vivo a procurar)
sendo a sede ou o nojo,
a foice
ou um desejo
sou o que não se sabe e o que se ama
Também em mim o improviso
sua voz de ordem, que temo
e tremo, seu dedo apontado
até na ausência da própria obediência
a auto-transgressão
o pecado e a putrefação
trama de brinquedo,
maledicência, vaidade.
Sou o ser,
o vir a ser.
O deixar de ser.
Em mim, o esquecimento
A inexperiência, o experimento.
Sou o não saber ser
e o que será?